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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A volta de Gregório Bezerra

 Gregório Bezerra volta ao Brasil, a partir de primeiro de setembro, no Recife. E dessa vez em sua emocionante autobiogafia, no livro Memórias, editado pela Boitempo.

É impressionante como um homem, que se alfabetizou sozinho aos 25 anos, tenha escrito uma obra de tão agradável leitura. Lembro que no Recife, em 1982, eu lhe perguntei como era possível um autor, que não era um intelectual, escrever um livro de tamanha qualidade. Então o velho Gregório me respondeu: “A história, quando é bem vivida, a gente sabe contá-la”. E guardei essa lição de literatura e verdade.

Dos vários trechos que anotei, é impossível destacar um. Se pudesse, deveria ser feita uma antologia de páginas dessa autobiografia. Entre tantas, há linhas que para mim lembram as crianças de Dickens, quando Gregório fala de sua infância:

“Cada gazeteiro se considerava dono deste ou daquele setor de venda, desta ou daquela zona, ou até desta ou daquela rua ou praça. Eu não era dono de nada, mas precisava viver e, para viver, tinha de vender jornais, pois não havia outro ganha-pão. Meti a cara e enfrentei os riscos. Uma briga aqui, uns tapas ali, umas tabicadas mais além e assim ia vivendo e lutando pelo pão de cada dia. Era uma vida duríssima. Aos poucos, com muita desvantagem contra mim, ia revidando os insultos, os palavrões, os murros, os tapas, as tabicadas, os chutes e também as pedradas. Desgraçadamente, eu era menor que meus agressores, tinha menos força e menos agilidade do que eles, mas era teimoso, não entregava os pontos e não me dava por vencido. Às vezes, com um só rival, brigava três, quatro vezes, até sentir que tivera algumas vantagens ou que ele desistia definitivamente de me perseguir. Essa minha atitude impôs certo respeito, porque qualquer agressor que me atacasse de antemão sabia que, se me vencesse, eu iria à forra tantas vezes quantas perdesse para ele. Nem sempre eles estavam dispostos a esses embaraços. Para mim, era questão de sobrevivência: ou tomava essa atitude, ou me transformaria para sempre num saco de pancadas – ou então fugia daquela dolorosa profissão”.

Em outros trechos, é comovente, enternecedor o quanto o perigosíssimo incendiário, o indivíduo bravo, era um homem de sensibilidade fina, delicado, um avesso absoluto da grossura e da crueldade. O amor que esse guerreiro possuía pela mãe está entre as páginas cálidas de nossa brasilidade, e a mim me falou particularmente mais de uma vez, por razões íntimas, em capítulos do livro que ando escrevendo.

“Uma vez, à noite, pedi à minha mãe para me pôr na escola; ela me olhou, pôs a mão em minha cabeça... E começou a chorar e a acariciar-me. Arrependido de ter pedido uma coisa impossível, caí no choro por ter feito minha mãe chorar. Ela sentou-me em seu colo e choramos os dois juntos. Jurei comigo mesmo não fazer a minha mãe chorar nunca mais”.

Nesse livro se nota que para Gregório Bezerra o partido comunista era igual ao povo. E o comunismo, para ele, era igual à redenção máxima sobre a humilhação que ele sofrera. Então se entende que para um homem que pensava, respirava e sonhava assim, não haveria repressão que o destruísse. Como aqui:

“Ainda no pátio do quartel, estava à minha espera o comandante, o coronel Vilocq. Recebeu-me a golpes de cano de ferro na cabeça, tendo eu por isso desmaiado... A seguir, puseram-me numa cadeira e três sargentos seguraram-me por trás, enquanto Vilocq, com um alicate, ia arrancando meus cabelos. Logo depois, puseram-me de pé e obrigaram-me a pisar numa poça de ácido de bateria. Em poucos segundos, estava com a sola dos pés em carne viva. Toda a pele tinha sido destruída”.

E o coronel Vilocq partiu para lhe enfiar um ferro no ânus, ao que Gregório, caído, se concentrou para evitar a abjeção. É impressionante como, debaixo de todas as torturas, sempre resistiu nele a vontade de viver, não para esticar por esticar seus dias, mas para servir à luta comunista. No entanto, Memórias, de Gregório Bezerra, é um livro que não exige qualquer adesão prévia para a idéia socialista de mundo. Os evangélicos de todas as igrejas, os espíritas, os católicos, os catimbozeiros, os torcedores de todos os times, homens, mulheres e jovens ganham na sua leitura o conhecimento do quanto é capaz o amor de um homem por seu povo.

A ele, enfim, se aplica o samba de Mano Décio, no Exaltação a Tiradentes: “Este grande herói para sempre há de ser lembrado”.

Postado no Portal Vermelho

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