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quarta-feira, 20 de abril de 2011

27 anos depois: o que o Brasil pode aprender com as Diretas?

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Marcelo Semer
De São Paulo
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Eu não tinha mais do que dezoito anos, mas vivi aquela experiência como se de alguma forma estivesse no comando do destino. Em jogo, nada menos do que o futuro do Brasil. 
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Faz vinte e sete anos que o país deixou para trás uma das mais interessantes experiências de cidadania: a campanha das Diretas-Já. 
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Estudantes, sindicalistas, profissionais liberais. Jovens e aposentados. Pais de família com seus filhos. 
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Não me lembro de outro momento em que tantas pessoas e tantos interesses distintos estivessem tão convergentes em um mesmo sentido. 
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E o resultado final não podia ter sido mais desastroso. 
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O regime militar se preparava para cair de maduro. Mesmo assim, e ainda que com o impacto de milhões de pessoas em passeatas pelas ruas brasileiras, sobreviveu se arrastando por mais um longo ano para nossa angústia. 
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Ao morrer, ainda nos cobrou um preço caro demais: um pacto com os diabos que abandonavam o barco mais cedo, em busca de oportunidades na nova era.
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E não é que boa parte, ou quase todos, dos que deram suporte à ditadura, apoiando o golpe e depois dele, a censura, e depois dela as torturas, conseguiram passar quase despercebidos quando vieram a defender a democracia em altos brados? 
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Em abril de 1984, o país se mobilizava para uma solução muito menos drástica do que as valentes revoltas da primavera árabe. Os brasileiros queriam apenas mostrar ao Congresso que depois de vinte anos de ditadura tinham o direito de eleger seu presidente. 
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Ninguém saiu às ruas para derrubar o poder. Mas o poder tratou a questão como um verdadeiro desacato. E os amigos do poder também. 
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Enquanto as massas cobriam as avenidas com camisetas amarelas, a TV Globo minimizou o quanto pôde o movimento, com uma cobertura pra lá de discreta, encobrindo inúmeras manifestações. Não adiantou. Mesmo sem twitter e facebook, e fora do Jornal Nacional, a onda se alastrou pelo país. 
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O governo militar, daquele presidente que pediu para ser esquecido, se preparou com uma operação de guerra para enfrentar uma simples votação no Congresso. 
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Fechou aeroportos, decretou censura nas transmissões geradas em Brasília, proibiu marchas e manifestações, impediu gravação de imagens e sons do plenário e silenciou telefones de gabinetes dos parlamentares. 
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O fim da história é conhecido, mas ao mesmo tempo revelador. A emenda das diretas não passou. A eleição aconteceu no colégio eleitoral, onde foi gestada uma aliança que deu vitória a Tancredo Neves. 
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Ironia das ironias, de um destino injustamente cruel, a Nova República acabaria por levar ao poder ninguém menos do que José Sarney, presidente do partido de sustentação do governo militar, embaralhando todas as cartas de novo. 
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Quem desembarcou diretamente da ditadura para pouco mais de quinze dias de oposição, montou um partido novinho em folha, que veio a se chamar PFL, e logo estava de volta ao poder. 
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Quatro anos depois da derrota na campanha das Diretas, tivemos uma nova Constituição e apenas no ano seguinte, a eleição para presidente. 
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Mas a fratura que representou a derrota das diretas e a conciliação dos políticos pelo alto, desprezando os milhões que foram às ruas, jamais foi consertada. 
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A ideia de que as alianças são todas suportáveis, desde que permitam se atingir o poder, violentou o espírito dos partidos, que continuam a se reproduzir sem muita ideologia. 
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O silêncio sobre os bárbaros crimes da ditadura representaram um inaceitável tributo ao servilismo. 
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O afastamento das novas gerações da política foi uma herança direta do desprezo que os políticos tiveram para com o povo. Ficou a impressão de que estavam lutando para chegar ao poder e não nos levar com eles.
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E uma democracia sem povo permite aprofundar vícios como o patrimonialismo, diante da autoproteção entre partidos e poderes. Exemplo típico das super-aposentadorias para governadores de diferentes siglas que vigeram por longo tempo sem qualquer contestação. E a manutenção indevida do foro privilegiado, que interessa a todos, menos aos eleitores. 
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De outra parte, o silêncio com as torturas do regime militar alimentam a ideia de que em certa medida e, sob determinadas circunstâncias, a violência de Estado pode ser admissível, mesmo fora da lei. O que não serve senão para diminuir o sentido da própria lei. 
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A esponja no passado infelizmente suja também o futuro, como se constata com a persistência da violência policial. 
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Não temos tempo nem espaço para uma nova campanha das Diretas. 
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É passado e só nos resta lembrar neste abril, como nos próximos que virão. 
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Quem sabe, pelo menos, não deixar de aprender com os erros: transigir em princípios pode significar vitórias vazias; fugir do "povão" é um suicídio político; esquecer atrocidades é o primeiro passo para repeti-las. 
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Postado no Folha 13

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