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sexta-feira, 16 de março de 2012

À caça dos militares

Por Clara Roman e Marcelo Pellegrini
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Procuradores do Ministério Público Federal têm uma nova tática para tentar pegar os militares que se abrigam sob o guarda-chuva da Lei da Anistia.  A denúncia feita na quarta-feira 14 contra o coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió Rodrigues de Moura, acusado de cinco sequestros durante a guerrilha do Araguaia na ditadura, promete ser apenas a primeira de uma ofensiva preparada por procuradores do Grupo de Trabalho Justiça de Transição contra os agentes da repressão do período.

A ação só foi possível graças a um novo argumento colocado à Justiça: já que os corpos nunca foram encontrados, o sequestro dos militantes é um crime permanente (que ainda está ocorrendo), sem prescrição e, portanto, não se enquadra na lei que protege infratores entre 1961 e 1979.

“A decisão do Supremo Tribunal Federal que julgou válida a Lei da Anistia não se aplica nesse caso. Os processos ultrapassam o período que a lei se refere porque as pessoas continuam desaparecidas até hoje”, explica o procurador Sérgio Suiama.

No estados do Pará, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, o grupo busca há anos rever e discutir processos de perseguidos políticos e desaparecidos que prescreveram ou foram arquivados por conta da Lei da Anistia.  A investigação do caso Curió já ocorria há três anos, mas só agora reuniu provas suficientes para a ação. Os outros 70 casos do Araguaia estão sob apuração da Procuradoria-geral do Pará e podem render novos processos.

A interpretação tem base no Código Penal e foi inspirada em duas decisões favoráveis à extradição de dois militares – um uruguaio e um argentino, em 2009 e 2011 respectivamente – proferidas pelo próprio Supremo Tribunal Federal (STF). “É um argumento forte, utilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos”, afirma Ivan Cláudio Marx, procurador em Uruguaiana.

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Casos como o Curió estavam arquivados na Justiça e foram revisados pela Segunda Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal sob este novo viés interpretativo. Os casos selecionados são encaminhados para o grupo de trabalho, que apóia procuradores dos estados com casos similares. Segundo Marx, a visibilidade adquirida com o caso Curió poderá estimular a população a entrar com representações junto a procuradorias de todo o Brasil.

 “O marco é mostrar para a população que se está tentando fazer alguma coisa. Trazer justiça àquilo que ocorreu no período”, afirma.

Marx encabeça uma investigação em Uruguaiana para esclarecer o caso do italo-argentino Lorenzo Ismael Viñas , que teria sido sequestrado na fronteira entre Brasil e Argentina em 1980, pelo governo argentino com apoio de policiais civis brasileiros. No entanto, as investigações encontram dificuldades em localizar elementos que comprovem o caso. Problema similar ao encontrado por Luiz Fernando Lessa, da Procuradoria-Geral do Rio de Janeiro. 

“O maior problema é o tempo decorrido entre os fatos e o início da apuração. Isso dificulta a reconstrução do passado e a obtenção de provas”, diz ele. No Rio, o grupo, composto por procuradores voluntários, foi formalizado há pouco tempo. 

Segundo o procurador, quatro casos foram autuados, mas não há previsão de ajuizamento da ação. Em São Paulo, casos no Doi-Codi e Dops também estão sob investigação. De acordo com a Procuradoria-Geral da República, pelo menos outras 15 representações foram feitas por famílias de pessoas desaparecidas,  em uma audiência pública realizada no dia 9 de dezembro, e encaminhadas ao grupo de trabalho.

Repercussão

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o procurador-geral da República Roberto Gurgel afirmou que o caso Curió representa uma nova questão jurídica e deve acabar no STF, órgão responsável por validar a Lei da Anistia em 2010. “Não estamos contestando a Lei da Anistia. Estamos abrindo uma ação penal contra crimes de sequestro, os quais o STF já julgou a favor em duas situações similares”, afirma o procurador Suiama.

Suiama diz possuir como prova testemunhos fidedignos de várias pessoas que viram as cinco vítimas, citadas na denúncia, presas na base militar de Bacaba, comandada na época por Curió. “A última vez que essas pessoas foram vistas, elas estavam sob a responsabilidade de Curió, por isso, ele tem que responder pelo desaparecimento dessas pessoas”, defende.

Para Marco Antonio Felício, general da reserva, em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, a tentativa de reabrir casos de militares é uma forma de revanchismo de cunho ideológico. Além disso, ele crê que os processos não vingarão. “A denúncia vai cair no vazio porque a Lei da Anistia é ampla, geral e irrestrita.”

O grupo Justiça de Transição faz parte do conjunto de iniciativas criada após a condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos por conta da guerrilha do Araguaia. A Comissão da Verdade, também criada em resposta a sentença da Corte e criada para esclarecer casos do período da ditadura, pode ser uma fonte de elementos de prova para esses processos, segundo Ivan Marx.
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