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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Natal, o Capital e o Ano Novo

Por *Pedro Estevam Serrano
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Na tradição cristã o Natal é a data da comemoração do nascimento de Jesus, e como tal um momento em que valores como generosidade, solidariedade e fraternidade são lembrados como mote da celebração. Nos discursos apenas. Na realidade, Natal é época de compras, consumo.

Mais do que momento em que expressamos afeto pela generosidade do presente, tratamos nosso desconforto civilizacional e nossas depressões existenciais indo ao shopping para obter o cumprimento da ilusória promessa de felicidade que o consumo oferece.
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A hiper-complexidade das sociedades contemporâneas não facilita uma leitura mais bem acabada de suas macro-características. Não ousaria fazê-lo. Não me sinto habilitado a tanto. Mas minhas leituras e observações pessoais de nossa historia recente me trazem algumas reflexões que se consolidaram em meu espírito sobre a forma em que convivemos no mundo contemporâneo. Me parece inegável que o correr do século XX e o inicio do XXI trouxe mudanças substancias na forma de organização e produção  do sistema capitalista. Não apenas mudança de grau ou intensidade, mas verdadeiras mudanças de qualidade e substancia.

Cada momento da história sociopolítica e econômica da humanidade ressalta características existentes na natureza das relações intersubjetivas de nossa espécie. Mercado existia como fenômeno há muito em nossas formas de organização social. A mercancia, a troca, é e foi instrumento relevante de sobrevivência da espécie conforme nossas formas de organização social e de produção foram se tornando mais complexas.

Mas é no capitalismo que esta forma coletiva de troca e produção atinge seu ápice de relevância na vida social, torna-se espinha dorsal de nossas formas de organização social, política e econômica. O capitalismo adquire inegável caráter progressista na história humana em sua versão industrial. A natureza disciplinar desta forma de produção repercute efeitos sobre todos os ambientes da vida social. Instituições coletivas como escola, hospitais e até restaurantes, organizados em modo hierárquico e a partir de disciplinas substituem formas aristocráticas de acesso a bens coletivos. O Poder Estatal passa a ser exercido a partir de sua submissão a normas, disciplinas coletivas e não à mera vontade autônoma de seu governante.

O capitalismo se traduz em sistema de contínua expansão. Por conta das conquistas dos trabalhadores europeus no inicio do século passado, em busca de ampliação de ganhos, o capital se espraia pelo mundo.
Desde o século XIX até os dias de hoje pudemos observar a transformação do capitalismo de forma europeia em modo global de produção.

Na contemporaneidade, contudo, outro fator de expansão vem a provocar mudanças que me parecem substanciais no sistema.

A produção de mercadorias é secundarizada pela produção de seu feitiche. Mais do que um sistema produtor de mercadorias, o capitalismo se transforma num sistema produtor de subjetividade. Expande-se para a significação humana. Ocupa todos os espaços da vida e do imaginário. A regra econômica do condicionamento da oferta pela demanda é invertida. Oferta produz demanda, como bem enxergou Steve Jobs.

Em verdade, modos de domínio e construção da subjetividade fazem parte do próprio conceito de civilização. Religião, educação e mesmo razão e ciência são formas de trabalho e domínio da subjetividade.
Mas creio que nunca tivemos na historia humana um sistema sociopolítico e econômico que tivesse na produção de subjetividade o vértice de seu funcionamento.

E não me refiro apenas ao âmbito limitado da publicidade e suas técnicas de marketing e nem apenas ao espetáculo que tende a dominar a linguagem midiática.

Falo de toda uma máquina de comunicação e sentidos que ocupam todo nosso espaço imaginário, racional e afetivo. Impossível imaginarmos hoje uma historia pessoal de romance sem os signos de Hollywood por exemplo.

Como consequência evidente deste processo, o papel do consumidor vai substituindo o do cidadão e os exércitos de reserva de mão de obra vão saindo da reserva para a cruel exclusão da vida.

O sistema passa a ter pelo poder da exclusão o exercício máximo do que Schimitt entendia como soberania. A capacidade de transformar o direito em exceção, dando ao poder o condão de disposição da vida do destinatário.

Vivemos hoje um mundo recheado de estados democráticos, mas submetidos a uma governança global imperial que se realiza em rede, sem contar, portanto, com o lugar que a disciplina outorga ao poder, o que possibilitaria identificá-lo e limitá-lo.

E assim vamos às compras, sem esquecer de comprar brinquedos e roupas para nossos entes queridos e mesmo para crianças desamparadas e pessoas desfavorecidas.

Não nos perguntamos a que custo vital se produzem estes bens tão baratos em alguma parte do globo, seja pela quase escravidão dos trabalhadores que os produzem , seja pela exclusão necessária da vida de amplos contingentes humanos que o sistema hoje exige para operar.

Mais que autonomia de vontade, ser livre no mundo contemporâneo é ser espontâneo, e no exercício desta espontaneidade entender que estamos todos inseridos num contexto sistêmico em que o custo de nossa inclusão e sobrevivência é compartilhar e fazer parte de um processo produtivo essencialmente antiético, em que nem sequer o lugar nobre da inocência nos é possível ocupar.

Mas no florescer mais intenso desta espontaneidade podemos transformá-lo, traduzir em mecanismos de cidadania global o que hoje é ilimitado e regido apenas pela força.

Assim desejo a todos os leitores, que tiveram a paciência de ler meus textos em 2011, que este Natal seja o nascer de nossa espontaneidade e que, através dela, em 2012 venha a destruição não do mundo e da vida, mas da morte que ronda nossa civilização.
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*Pedro Estevam Serrano é advogado e professor de Direito Constitucional da PUC-SP,mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP.
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