por *Paulo Moreira Leite
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Leio na internet que o deputado Jair Bolsonaro defendeu atortura. É uma vergonha mas não é uma surpresa. Os ataques de Bolsonaro a democracia vem em sequencia. O último havia sido ofender os brasileiros negros a partir de uma suposta crítica ao comportamento de Preta Gil.
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Bolsonaro já defendeu a execução sumária de presos comuns. Sua aparição na vida pública civil foi feita por uma ameaça exótica mas violenta: anos atrás, ele prometia cometer umatentado terrorista para protestar contra a democratização.
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Na verdade, Bolsonaro não impressiona. No mundo inteiro existem políticos desse tipo. O aspecto preocupante é que este comportamento não diz respeito a um deputado do Rio de Janeiro, mas a todos nós.
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Por que Bolsonaro pode se comportar dessa maneira? Quem lhe dá o direito de ser tão descarado? Por que suas palavras não são repudiadas por todos e cada um? Por que os jornais publicam e repercutem aquilo que diz, como se fosse parte legítima do debate democrático?
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Nos tempos em que vivi na França, no início dos anos 80, assisti ao crescimento de uma estrela da ultra-direita local, Jean-Marie Le Pen, fundador do Front National. Le Pen é um político fascista, que defende uma política de segregação contra os imigrantes árabes que vivem no país e seus filhos, que já detem cidadania francesa. Mas há uma diferença notável entre Le Pen e Bolsonaro e ela reside no país em que vivem.
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Le Pen tem um discurso extremista mas cuidadoso. Não ataca os imigrantes — limita-se a defender os franceses. Diz: “a França para os franceses.” Não é explícito, mas obscuro. Todo mundo sabe o que ele quer dizer mas o próprio Le Pen não o faz. Por que?
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Porque a sociedade francesa não permite. A força das idéias democráticas naquele país é tal que não se aceita que elas sejam proferidas em público, de modo exibicionista e ofensivo, como faz Bolsonaro.
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Le Pen, que recentemente foi sucedido por sua filha no comando da organização, sempre foi obrigado a esconder seus pensamentos. Todo mundo sabe que ele é um nostálgico do império colonial frances, vencido por tropas comunistas na Indochina e depois pela revolução nacionalista na Argélia. Mas, ao contrário do que faz Bolsonaro, incapaz de esconder seu apego ao regime de 64, Le Pen não faz propaganda do colonialismo nem prega a submissão das antigas colonias. Apresenta-se como defensor dos franceses “em primeiro lugar.”
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Muitas pessoas podem até achar que é melhor ter um Bolsonaro que diz o que pensa do que um Le Pen que só diz meias-verdades. Bobagem. As meia-verdades de Le Pen são um limite político, imposto pelo regime democrático de seu país, que não admite ataques à direitos e garantias fundamentais. Não se discute, por exemplo, se a adesão a Adolf Hitler, na Segunda Guerra Mundial, foi um ato com aspectos positivos e negativos para a história da França. Foi um ato de traição, indefensável. E é isso.
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O discurso solto e descontrolado de Bolsonaro mostra que nossa democracia está exposta e que há quem aposte em torna frágil e precária.
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E aí é digno perguntar: quem protege Bolsonaro? Quem lhe garante audiência?
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A resposta não se encontra naquela antropologia de almanaque, segundo a qual todos os problemas da humanidade residem na “cultura” de determinado povo. Quem ainda achar que o Brasil não possue “cultura democratica” suficiente para organizar a vida pública precisa ler os jornais de 1984, quando ocorreu a campanha pelas diretas-já, ou quinze anos depois, quando o país foi às ruas para pedir o impeachment de um presidente acusado de corrupção. Bolsonaro é expressão de outra coisa: interesses políticos e não de uma suposta vocação cultural.
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Embora o Brasil viva hoje o mais prolongado período democrático de sua história, uma parcela ponderável e influente da sociedade brasileira cultiva uma visão instrumental e peculiar de democracia.
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Conforme essa concepção, os regimes democráticos são ótimos quando servem a nossos interesses, ajudam nossos amigos e perseguem nossos adversários. Mas podem ser descartados quando deixam qualquer uma das condições descritas acima. São forças que promovem o enfraquecimento da democracia, fazem o possível para desmoralizar instituições identificadas com a vontade popular e adoram sabotar e exagerar as deficiencias do sistema civil.
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São essas forças que alimentam Jair Bolsonaro
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* Jornalista e Editor da Coluna Vamos Combinar da Época